O “PL da Devastação”: Uma pequena análise dos Projetos de Lei que ameaçam o Meio Ambiente no Brasil

1. O PL da Mineração em Terras Indígenas: PL 191/2020

Considerado um dos principais projetos com potencial devastador, o Projeto de Lei 191/2020, popularmente apelidado de “PL da grilagem”, felizmente encontra-se retirado da tramitação.

  • Autoria e Propósito: Este PL foi de autoria do Poder Executivo, proposto e enviado ao Congresso Nacional pelo então Presidente da República Jair Bolsonaro, em 2020. Ele visava a autorizar atividades como mineração, geração de energia e exploração de recursos hídricos, petróleo e gás em terras indígenas.
  • Riscos e Impactos: A aprovação deste projeto poderia causar desmatamento massivo, contaminação de rios, perda irreversível de biodiversidade e graves impactos sociais e culturais às comunidades indígenas.
  • Retirada: Em 2023, o Presidente Lula enviou uma mensagem à Câmara dos Deputados (MSC 107/2023), solicitando a retirada formal deste projeto de lei. A Mesa Diretora da Câmara acatou essa solicitação, pondo fim à sua tramitação.

2. O Marco Temporal e a Fragilização dos Direitos Indígenas: PL 2903/2023 (Lei nº 14.701/2023)

O PL 2903/2023 (antigo PL 490/2007), que trata do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, é outro projeto com forte potencial devastador.

  • Autoria e Tramitação: O projeto, de autoria do Deputado Federal Homero Pereira (do antigo PR/MT, hoje PL), foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
  • Veto Presidencial e Derrubada: Embora o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha vetado o PL, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial. Como resultado, o projeto foi promulgado e se tornou a Lei nº 14.701, de 26 de outubro de 2023.
  • A Tese do “Marco Temporal”: Essa lei formaliza a controversa tese do “Marco Temporal”, que estabelece que os povos indígenas só possuem direito à demarcação das terras que estavam em sua posse ou ocupação na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
  • Principais Ameaças da Lei:
    • Dificulta Demarcações: Impede ou dificulta a demarcação de novas terras indígenas.
    • Contestação de Demarcações Existentes: Abre a possibilidade de contestação de demarcações já homologadas, caso não se comprove a posse em 1988.
    • Acirramento de Conflitos: A lei tende a acirrar os conflitos por terra, incentivando invasões e a exploração ilegal de recursos naturais em terras indígenas, já que o direito à terra fica mais frágil.
    • Impacto na Proteção Ambiental: As terras indígenas são reconhecidamente as áreas mais preservadas do Brasil. A fragilização de seus direitos territoriais representa uma enorme ameaça para a biodiversidade e para o combate ao desmatamento.
  • Questionamento no STF: Embora tenha sido transformada em Lei, já foram ajuizadas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn) junto ao Supremo Tribunal Federal, buscando reverter seus efeitos.

3. A Lei Geral do Licenciamento Ambiental: PL 2159/2021

Um projeto de lei atualmente muito preocupante é o PL 2159/2021 (antigo PL 3729/2004), que busca instituir uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

  • Autoria e Tramitação: O projeto de autoria do Deputado Federal Luciano Zica (PT/SP) – vale notar que o PL 3729/2004, que o originou, era de autoria do Deputado Ricardo Barros – tem sofrido uma longa tramitação, marcada por inúmeros debates e, consequentemente, vários substitutivos ao longo dos anos.
  • Flexibilização do Licenciamento: As modalidades de licenciamento mais flexíveis, incluindo a Declaração de Adesão e Compromisso (DAC) e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), foram propostas e inseridas em substitutivos posteriores ao texto original. Essas inclusões foram fruto de negociações e pressões de setores interessados em simplificar o licenciamento ambiental.
  • Preocupações e Riscos:
    • Dispensa para Atividades Agropecuárias: O texto original e alguns substitutivos preveem a dispensa de licenciamento para diversas atividades, incluindo algumas da agropecuária, o que gera grande preocupação quanto à desproteção de biomas sensíveis.
    • Prazos de Validade Mais Longos: Prevê prazos de validade mais longos para as licenças, sem exigir necessariamente a reavaliação ambiental periódica que ocorre atualmente.
    • Concentração de Poder: Concentra o poder de licenciamento em um único ente federativo (União, estados ou municípios), o que pode gerar conflitos de competência e fragilizar a fiscalização ambiental.
    • Risco de Desmatamento e Degradação: A exclusão de algumas atividades do rito de licenciamento, ou a sua simplificação extrema, tem sido um grande motivo de alarme para ambientalistas e órgãos de controle, que veem risco de aumento do desmatamento e da degradação ambiental.
  • Situação Atual: O PL 3729/2004 foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2021 e seguiu para o Senado Federal, onde tramita como PL 2159/2021. Atualmente, ele está em análise no Senado e continua sendo objeto de intenso debate e pressão de diferentes setores da sociedade.
  • O Artigo 8º é particularmente preocupante. Ele estabelece atividades não sujeitas a licenciamento):
    • II – “considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora;”
      • Este inciso é extremamente perigoso pela sua subjetividade e generalidade. O que é “porte insignificante” pode variar dependendo da autoridade licenciadora, das pressões políticas e da capacidade técnica do órgão. Confere um poder muito grande à autoridade, que pode simplificar ou eliminar o licenciamento para uma vasta gama de atividades, sem critérios claros e objetivos pré-definidos em lei.
    • III – “não incluídos nas listas de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental estabelecidas na forma do § 1º do art. 4º desta Lei;”
      • Este é outro inciso altamente perigoso. Ele inverte a lógica da proteção ambiental. Melhor seria exigir licenciamento de tudo e dispensar o que é comprovadamente inofensivo. É impossível listar todas as atividades com potencial impacto ambiental, mesmo porque novas tecnologias, métodos ou atividades podem surgir.
    • VI – “obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 Kv (sessenta e nove quilovolts), realizadas em área urbana ou rural;”
      • Essa isenção é preocupante porque mesmo linhas de menor tensão podem: gerar abertura de clareiras ou faixas de servidão na floresta; oferecer risco de eletrocussão de animais; causar fragmentação de hábitats; passar por Áreas de Preservação Permanente (APPs), Unidades de Conservação, ou terras indígenas, sem a devida análise de impacto. A soma de várias pequenas obras como essa pode ter um impacto ambiental significativo.
    • VIII – “serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas dragagens de manutenção;”
      • O termo “melhoramento” pode ser interpretado de forma muito ampla, permitindo alterações em estruturas existentes sem licenciamento. As dragagens em geral (remoção de sedimentos do fundo dos corpos de água), podem gerar poluição e destruir hábitats aquáticos se não for feito prévio estudo.
    • I – “de caráter militar previstos no preparo e no emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, nos termos de ato do Poder Executivo;”
      • A Lei Complementar 97/99 define as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica). Assim, atividades de caráter militar podem ser muito diversas, desde base de treinamento até base de armamentos. Não há limites e ainda pode ser autorizada apenas pelo Poder Executivo, sem definição de cargo.

É fundamental acompanhar o status desses e de outros projetos de lei através dos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, pois eles representam a vanguarda das mudanças legislativas que impactarão diretamente o futuro ambiental e social do Brasil.

Referências

  • CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 191/2020. Ficha de Tramitação. Disponível em:   www.camara.leg.br  . Acessado em: 15/07/2025.
  • CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 2159/2021. Ficha de Tramitação. Disponível em: www.camara.leg.br. Acessado em: 15/07/2025.
  • CONGRESSO NACIONAL. Projeto de Lei nº 490/2007. Ficha de Tramitação. Disponível em: www.congressonacional.leg.br . Acessado em: 15/07/2025.
  • BRASIL. Lei nº 14.701, de 26 de outubro de 2023. Dispõe sobre o Marco Temporal. Disponível em: www.planalto.gov.br . Acessado em: 15/07/2025.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress
Rolar para cima