
A utilização da Inteligência Artificial (IA) nos moldes capitalistas atuais levanta sérias preocupações ambientais, principalmente devido ao seu elevado consumo de energia e água. Atualmente, um grande data center dedicado a operações de IA pode consumir uma quantidade de energia equivalente a 700 mil domicílios ou 1,8 milhão de habitantes, demandando até 1 gigawatt (GW) de energia, o que equivale a 1 bilhão de watts (PODER360, 2024).
Estimativas recentes sobre o consumo de IA demonstram uma escala ainda maior:
- Um sistema de IA como o futuro ChatGPT-5 pode consumir o equivalente ao uso diário de cerca de 7,5 milhões de residências no Brasil (VEJA, 2024a).
- Os quatro primeiros complexos de data centers de IA previstos para o Brasil poderão atingir um consumo de energia equivalente ao de 16,4 milhões de residências (METRO1, 2024).
A poluição primária associada a esse consumo massivo de energia, em países que não utilizam energia 100% limpa, advém majoritariamente da queima de combustíveis fósseis para a geração da eletricidade, que resulta em emissões significativas de gases de efeito estufa. Além disso, o descarte de componentes eletrônicos como chips e servidores (o chamado “lixo eletrônico”) representa um problema ambiental grave, já que esses materiais contêm substâncias tóxicas e seu descarte inadequado polui o solo e a água, além de desperdiçar recursos valiosos.
No entanto, poderíamos ter um cenário muito diferente se conseguíssemos nos libertar dos parâmetros capitalistas. Sob uma ordem ecológica, o desenvolvimento tecnológico deverá ser direcionado para o funcionamento menos poluente e não o mais rentável. Conceber e operar a infraestrutura da IA de forma substancialmente menos poluente acreditamos que é possível. Vamos pensar em algumas possibilidades?
- Localização Estratégica e Reaproveitamento de Calor: Se os data centers fossem construídos em locais com climas naturalmente frios, como as regiões nórdicas, eles poderiam se beneficiar do resfriamento natural, reduzindo drasticamente a necessidade de sistemas de refrigeração artificial, que são grandes consumidores de energia e água. Mais do que isso, o calor gerado pelos servidores poderia ser reaproveitado de forma eficiente. Esse calor residual, ao invés de ser dissipado, poderia ser integrado a redes de aquecimento distrital, contribuindo para o aquecimento de residências, edifícios comerciais ou estufas, e assim, diminuindo a demanda por aquecedores elétricos ou a gás. Isso transformaria um subproduto em um recurso valioso.
- Economia Circular e Reutilização de Materiais: Se a economia fosse obrigatoriamente circular, os materiais e componentes descartados teriam que ser sistematicamente reaproveitados. Isso implicaria um design de hardware que privilegie a modularidade, a durabilidade, a facilidade na desmontagem para reuso e a reciclagem eficiente de componentes valiosos como os chips, minimizando o lixo eletrônico e a necessidade de extração de novas matérias-primas.
- Energia 100% Renovável: A transição para fontes de energia 100% renováveis (solar, eólica, hidrelétrica) para alimentar os data centers é fundamental. Ao garantir que a eletricidade consumida venha de fontes limpas, a pegada de carbono da IA seria drasticamente reduzida.
Ainda em relação ao grande consumo de energia, devemos considerar os avanços tecnológicos na geração de energia limpa. Estamos próximos dos primeiros fornecimentos de energia elétrica por fusão nuclear. Há expectativas de que, entre 2026 e 2028, teremos as primeiras iniciativas de comercialização de energia elétrica por fusão. A Helion Energy, por exemplo, anunciou uma parceria com a Microsoft em maio de 2023 para fornecer energia de fusão a partir de 2028. Da mesma forma, a Commonwealth Fusion Systems (CFS), após a demonstração bem-sucedida de seu projeto SPARC, visa a construção da usina ARC, que já tem acordos de compra de energia para quando estiver em operação comercial.
A energia por fusão nuclear é considerada muito menos perigosa do que as usinas de fissão nuclear por várias razões importantes. Primeiramente, as radiações envolvidas são de um nível muito menor e os resíduos radioativos gerados têm uma vida útil muito mais curta – décadas a séculos, em contraste com os milhares de anos dos resíduos de fissão. Isso significa que são menos tóxicos e mais fáceis de gerenciar. Além disso, em caso de qualquer falha, a reação de fusão pode ser parada imediatamente, o que elimina o risco de um derretimento do núcleo ou uma explosão nuclear, diferente do que pode ocorrer em reatores de fissão. Acreditamos que a energia elétrica proveniente da fusão nuclear poderá ser a grande substituta à queima de combustíveis fósseis, oferecendo uma solução limpa e abundante para as altas demandas energéticas.
Outro ponto importante relacionado à IA é a preocupação com a diminuição da habilidade humana para atos que a IA pode realizar. Para mitigar esse risco, seria necessário estimular o uso da atividade cerebral para funções de pensamento crítico, criatividade, empatia e tomada de decisões complexas, nas quais a inteligência humana é insubstituível. A IA, nesse contexto, deve ser vista como uma ferramenta que amplifica as capacidades humanas, e não as substitui, liberando-nos de tarefas repetitivas para focarmos no que é intrinsecamente humano.
Além disso, não há como não reconhecer os benefícios do uso da IA; ela é fundamental para avanços que podem salvar vidas e impulsionar a sustentabilidade. Por exemplo, é essencial para o desenvolvimento de próteses neurais que restauram funções motoras e sensoriais. No campo ambiental, a IA é inestimável para:
- Calcular e identificar produtos e processos mais poluentes: Os cálculos para determinar o impacto ambiental de diferentes materiais e produtos, bem como analisar seus ciclos de vida (do berço ao túmulo), são extremamente complexos e demorados quando feitos manualmente. Imagine calcular o impacto de um parafuso envolve a soma dos impactos com mineração de aço, fabricação, transporte e comercialização relativos a esse um parafuso. O cálculo dos impactos de uma máquina, que é composta de milhares de parafusos e outras peças, além dos gastos de sua própria fabricação, transporte, comercialização, utilização, reutilização de cada peça, etc. é ainda milhares de vezes mais complexo.
- Otimização e Eficiência: A IA pode processar grandes volumes de dados para otimizar o uso de recursos, prever padrões climáticos, gerenciar redes de energia, otimizar rotas de transporte e aprimorar a eficiência em diversas cadeias de produção.
Apesar dos desafios atuais impostos pelo crescente consumo energético da Inteligência Artificial, a perspectiva de soluções inovadoras como a energia de fusão nuclear oferece um horizonte promissor, capaz de mitigar significativamente a pegada ambiental da tecnologia. A decisão de seguir com o avanço da IA deve, portanto, ser ponderada pela sua capacidade de beneficiar a humanidade, ao mesmo tempo em que se garantem estratégias eficazes para mitigar seus riscos. Nesse contexto de otimismo energético, é fundamental que o desenvolvimento e a implementação da IA sejam acompanhados por uma regulamentação rigorosa e orientados por parâmetros ecológicos claros, assegurando um futuro onde a inovação e a sustentabilidade caminham lado a lado.
Referências:
CENTRO DE FUSÃO NUCLEAR DO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO DE LISBOA. [Informação sobre segurança de reatores de fusão]. Disponível em:
https://www.ipfn.tecnico.ulisboa.pt/cfn/pt/consultorio/listC.html. Acesso em: 09/09/2025.
DATA CENTER DYNAMICS. IEA: Consumo de energia do data center deve dobrar até 2030 para 945 TWh. [S.l.], 12 jan. 2024. Disponível em:
https://www.datacenterdynamics.com/br/not%C3%ADcias/iea-consumo-de-energia-do-data-center-deve-dobrar-at%C3%A9-2030-para-945-twh/. Acesso em: 09/09/2025.
GARY, Stuart. FUSÃO VS. FISSÃO: tecnologias de energia nuclear limpa e verde explicadas. Ciência ABC, [S.l.], 7 fev. 2016. Disponível em:
https://www.abc.net.au/news/science/2016-02-08/clean-nuclear-energy-are-we-there-yet/6777180?future=true&. Acesso em: 09/09/2025.
IBGE. Censo Demográfico 2022: Embu das Artes. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/embu-das-artes/panorama. Acesso em: 09/09/2025.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Artificial Intelligence. IEA. [S. l.]. Disponível em: https://www.iea.org/topics/artificial-intelligence. Acesso em: 09/09/2025.
METRO1. Data centers de IA no Brasil poderão consumir energia equivalente a 16 milhões de casas. Salvador, BA, 15 maio 2024. Disponível em:
https://www.metro1.com.br/noticias/brasil/168193%2Cdata-centers-de-ia-no-brasil-poderao-consumir-energia-equivalente-a-16-milhoes-de-casas. Acesso em: 09/09/2025.
PODER360. Data centers dos EUA podem demandar energia equivalente a cidades. Brasília, DF, 4 mar. 2024. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/poder-tech/data-centers-dos-eua-podem-demandar-energia-equivalente-a-cidades/. Acesso em: 09/09/2025.
VEJA. Novo ChatGPT-5 pode consumir energia equivalente à de 7,5 milhões de lares. São Paulo: Abril, 08/01/2024. Disponível em:
https://veja.abril.com.br/coluna/planeta-ia/novo-chatgpt-5-pode-consumir-energia-equivalente-a-de-75-milhoes-de-lares/. Acesso em: 09/09/ 2025.